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quinta-feira, 10 de março de 2011

IBAP Democrata: O carro que poderia ser nosso

Nos anos 60, aqui no Brasil, um homem teve a idéia de criar uma indústria nacional de automóveis, era jovem, ambicioso, cheio de idéias e queria produzir um carro de alta qualidade com novas tecnologias e materiais, criando assim a Indústria Brasileira de Automóveis Presidente (IBAP), o sonho de uma indústria de automóveis 100% nacional.
Mas o que é preciso para criar uma indústria de automóveis? Iniciativa? Capital? Apoio do governo? No Brasil um pouco de tudo, mas provavelmente este não seria momento certo para isso, já que todo o patriotismo empregado pela IBAP foi mal visto pelo governo “restaurador da democracia” por meio de atos ditatoriais, mas mesmo assim, Nelson Fernandes persistiu.
Para conseguir isso, Fernandes utilizou um sistema de cotas, para arrecadar capital para a construção da fábrica e início da produção dos primeiros carros, o mesmo sistema que ele já havia utilizado para a construção de dois hospitais e um clube, e que depois foi usado por João Gurgel para a criação de sua fábrica anos depois.
Fundou a IBAP em 1963, tinha a previsão de iniciar a construção da fábrica em 1965, e a produção em série em 1968. A idéia era produzir primeiro um carro urbano de pequena cilindrada, depois um utilitário, e um modelo de luxo, mas o ferramental para se produzir as chapas da carroceria iria sair muito caro, então optou-se pelo modelo mais luxuoso, feito de fibra de vidro, que facilitaria a produção inicial por ser um processo bem artesanal, já que a IBAP precisava expor seus carros para conseguir mais investidores para a construção da fábrica.
Por meio de um concurso onde os concorrentes enviavam desenhos seguindo as prévias especificações da IBAP, foram definidas as formas básicas do carro chamado Democrata e a partir disto, fizeram um protótipo de quatro portas descartando a carroceria do Chevrolet Corvair e utilizando sua parte mecânica. O Democrata tinha os primeiros faróis retangulares da indústria nacional desenvolvido pelas indústrias de auto-peças, coisa que nem a Brasinca conseguiu para o 4200GT na mesma época.
Primeira série do Democrata
Durante a construção do modelo quatro portas do IBAP Democrata, decidiram mudar o projeto completamente, partiram para um desenho mais moderno, aerodinâmico, compacto e leve criando o modelo duas portas, com linhas inspiradas em modelos europeus e lembrando muito alguns americanos também.
Segunda série do Democrata
Para o desenvolvimento, Chico Landi – primeiro brasileiro a pilotar no exterior – foi contratado pela IBAP, além de testar os carros, também contribuiu no seu desenvolvimento, sugerindo o motor V6 traseiro, que foi encomendado a uma empresa italiana, a Procosautom o projeto todo do motor e transmissão (que ficava dentro do carter de óleo), não se tratava de um licenciamento para a fabricação, e sim todo o projeto que se tornaria de propriedade da IBAP. Foram então enviadas ao Brasil algumas unidades do motor para testes e adaptações.
O Motor tinha 120 hp deixando-o potente e econômico, era capaz de atingir 170 km/h (números que superavam qualquer nacional da época), apesar de Chico Landi ter sugerido uma potência muito maior em busca de mais esportividade, mas que preferiram deixar deste jeito por questões de economia e durabilidade, mas que se caso fosse necessário, podiam aumentar sua potência facilmente sem maiores danos ao conjunto. Os motores foram instalados nos protótipos que cumpriram mais de 120 mil km de testes em todos os tipos de estradas e trânsito urbano demonstrando a durabilidade e economia esperada – lembrando que eram os anos sessenta – as estradas eram precárias e a maioria delas era de terra.


O Democrata na porta da fábrica na Via Anchieta
Os carros foram expostos em diversos lugares do Brasil em eventos para atrair o público, o modelo anterior tinha sido exibido ao presidente Castelo Branco e o Democrata II foi exibido ao presidente Costa e Silva. Houve divulgação por meio de jornais e revistas sobre o novo automóvel brasileiro, reportagens completas sobre seu desenvolvimento, tanto favoráveis quanto desfavoráveis ao projeto, e naquela época, após o golpe militar de 1964 algumas publicações mostravam-se extremamente agressivas em relação a IBAP, de certa forma difamando o carro.
O Presidente Castelo Branco (ao centro) com o Democrata
Quando a Procosautom enviou mais um lote de motores com ferramentais e desenhos técnicos do motor, eles foram confiscados sob a alegação de contrabando, houve até uma proposta da IBAP de comprar a FNM para tentar salvar o projeto, mas a compra foi recusada pelo governo. Os motores ficaram retidos durante anos de processo até serem vendidos como sucata.
Ao fim do processo, foi comprovada a idoneidade da IBAP, porém passados mais de vinte anos, já era tarde demais, poucas unidades foram produzidas. Uma encontra-se no Museu do Automóvel de Brasília, outras vendidas a colecionadores, e o restante foi enterrado junto com a fábrica quando o teto do galpão desmoronou, sendo que as unidades que sobraram eram da segunda série.
Talvez avançado demais para a época, bem acabado demais a ponto de incomodar as recém instaladas indústrias de automóveis, e as vezes chamado de “o Tucker brasileiro”, o certo é que o Democrata poderia ter sido o núcleo de uma bem estruturada indústria de automóveis brasileira, coisa que muitos tentaram e até hoje esperamos acontecer.

Este Texto foi escrito por mim para uma seleção de novos redatores do site Jalopnik, mas como não fui selecionado nem o texto publicado por lá, mostro a história do IBAP Democrata por aqui.

4 comentários:

Anônimo disse...

Putz. Ódio tardio.

Unknown disse...

PARABENS PELO TEXTO AMIGO!!!

Augusto Du Arte disse...

É mais um sonho de Independência Tecnológica de famigeradas multinacionais destruído! Como tudo que acontece no Brasil! Até quando?

Luiz Antonio disse...

Alencar Jr.; já que Jalopnic não demonstrou interesse pelo seu trabalho, então, perdido não foi porque aqui está ele e muito bem elaborado!
Em 1964 eu morava na Moóca em SP, tinha então 13 anos. Nelson Fernandes foi encaminhado por alguém, ao meu pai Pedro Bottecchia, que tinha uma indústria gráfica próxima à Av. Paes de Barros e lá eles estudavam planos de confecção dos folders e outros diversos impressos para a IBAP, porém, que me recordo, os impressos não chegaram a ser confeccionados ali. Vaga lembrança tenho de que meu pai comentava que Nelson estava deparando-se com vários obstáculos porém desconheço de que ordem; comentava que o automóvel era simplesmente maravilhoso; e meu pai tinha pressentimento de que tão empolgante e esplendoroso empreendimento dificilmente vingaria; e assim foi; assim também como o de Amaral Gurgel, este porém que chegou até a ser produtivo e, ao pegar impulso, também foi ceifado pelos dragões internacionais. Duas grandes riquezas nacionais, extirpadas de seu próprio berço, para dar lugar aos sapos de fora.