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quarta-feira, 10 de agosto de 2011

"Um bicho que avoa que nem avião."

Foto: http://www.obvio.ind.br
O título acima refere-se à canção de João do Vale e José Cândido interpretada pelo próprio João do Vale e Chico Buarque e também na voz de Nara Leão, nos tempos em que as músicas tinham significado, e não essa bunda music que é feita aqui hoje. A letra fala sobre a intrépida ave de rapina no sertão nordestino do Brasil, o carcará ou gavião carcará e que além de ser um ótimo caçador    pega, mata e come    também é um limpa-estradas comendo todo tipo de carniça e animais mortos. A bela ave símbolo da Agência Brasileira de Inteligência possui envergadura de aproximadamente 1,20m, só que eu venho aqui falar sobre outro carcará, tão amedrontador quanto o primeiro, feito de alumínio e aço tubular. 

Foto: Alex Brito - Agência Estadão
Segredo absoluto, informações não podiam vazar, pois a DKW estava sendo comprada pela Volkswagen e o projeto do Carcará anteriormente batizado de "Arpoador" usava um motor de 1100 cm³ produzido pela DKW que originalmente gerava modestos 44 cv e que foi acertado por Miguel Crispim e acabou gerando 104 cv, mais que o dobro da potência original do pequeno motor de três cilindros e 2 tempos.
Carcará - Ainda em fase de testes e sem pintura.
Os designers eram Anísio Campos e Rino Malzoni e a carroceria era feita em alumínio e batida a mão em uma fazenda no interior de São Paulo, na cidade de Matão e apresentava linhas extremamente atraentes e de clara inspiração no Silver Arrow da Auto Union. O chassis era treliçado, vindo de um Fórmula Júnior, uma categoria criada por Chico Landi e Toni Bianco.
Auto Union Silver Arrow (Flecha Prateada)
Eis que amanhece o dia 29 de Junho de 1966 na BR-2 Rio-Santos, atualmente Avenida das Américas na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde foi tirada a bela foto que abre esta postagem. Últimos detalhes sendo acertados, primeiros testes a baixa velocidade para "sentir" o carro e uma insegurança quanto aos pneus, pois poderiam se tornar instáveis em altas velocidades e a tendência da frente do carro em decolar. Os Pirelli utilizados garantiam segurança até os 240 km/h, porém tinham muita aderência, o que tornava o carro instável fazendo-o balançar.
Rino Malzoni, Norma Casari e Anísio Campos com o Carcará.
A solução encontrada foi trocar os pneus dianteiros do Carcará por pneus da Vemaget de Bob Sharp, piloto e funcionário da Vemag na época e hoje colunista do AUTOentusiastas, porém, os pneus da Vemaguet eram projetados para velocidade máxima de 150 km/h, então, teriam que arriscar com eles para que o carro ficasse com a frente mais controlável. Para manter os pneus em temperatura adequada, as rodas foram retiradas do carro, e mergulhadas na lagoa Marapendi próximo a rodovia, para serem montados somente no momento em que fossem ser utilizados.
Colocando os pneus resfriados nas águas da lagoa
Toda uma equipe estava lá para testemunhar o recorde, jornalistas com instrumentos de medição da revista Quatro Rodas, o chefe do departamento de competições da Vemag, Jorge Lettry e membros da equipe, mecânicos, os designers do Carcará Rino Malzoni e Anísio Campos, entre outros.

O piloto Norman Casari alinhou e partiu. Na primeira passagem, 214,477 km/h, na segunda, em sentido contrário, para se tirar a média e ser aceita como a primeira marca de velocidade sul-americana o Carcará registrou 211,329 km/h, dando uma média de velocidade de 212,903 km/h e estabelecendo o primeiro recorde oficial de velocidade no Brasil.

Para o mundo, não era uma marca muito importante, mas para o Brasil, e principalmente, para uma empresa que iria deixar de existir por aqui, era sua saída em grande estilo. A marca do Carcará só foi superada quase quarenta anos depois, em 2005 por um Gol preparado. 

Quanto ao Carcará, ele foi desmontado para seu chassis ser usado em um outro protótipo, a carroceria ficou com a Glaspac que se desfez dela como sucata. Mais uma página do automobilismo que foi embora sem ser dado o devido valor. Recentemente, em 2007 foi feito um segundo Carcará seguindo as especificações do primeiro. Por fim deixo um pequeno vídeo com o ronco do valente Carcará, a réplica e seu fumacento 3 cilindros 2 tempos da DKW.


Fotos: www.obvio.ind.br


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